Na sua obra, Carlos Saramago transporta a precariedade da sua saúde com
traços e pinceladas seguras para qualquer suporte, criando narrativas
pictóricas e poéticas, num delírio crescente, repleto de vivências em que as
metáforas se mesclam no universo da costa de prata, onde o popular se espraia
nas entranhas do seu âmago num corpo
enfraquecido e em falência , de feridas abertas a dor e ao sofrimento e se
abre na dualidade de membros realistas,
mãos e pés desenhados com mestria, como
se operasse um milagre. Mas logo é contradito pela dura realidade de um
alpinista, de peúgas e mãos entrapadas, em busca da chave, que encontra e
freneticamente experimenta em milhentas fechaduras, que abra a porta da
concepção e felicidade, onde habita um diabrete inquieto que vibra em jogos de
sexo e morte, ao som da flauta do vendedor de boina e olho vivo que vende vida
engarrafada.
Reconheço Carlos Saramago nesta desconcertante amálgama contraditória de
sentimentos emoções, onde o onírico, a dor, a paixão, se abraçam numa espiral
que o tempo não apagara e aonde divindades envaidecidas brindam finos néctares
á grandeza da sua obra em crescente construção.
Na sua natureza humilde, na procura incansável pelo elixir da vida e não
lhe reconhecendo fortes influencias dos mestres universais, afirmo que na sua
ansia de exorcisar os temores e os medos, o encontrei 60 anos depois da sua
morte, numa versão masculina, não como
resultado de um acidente de transito, mas de cromossomas e herança
genética, transportado e sentado ao lado da imortal Frida Kahlo.
Operário plástico punkonês